segunda-feira, março 21, 2005

Mil e uma escolhas

Abençoados sejam os CTT! Desde que impingiram à clientela em espera romances de cordel aperaltados com capas cor de arco-íris que a minha vida tem sido um sem fim de descobertas. Foi graças a tal bem-aventurança que descobri esse grande bastião da “luso bem querença” que é o manifesto “1001 razões para se gostar de Portugal”, dessa eminência da intelectualidade lusíada que é o Dr. José Carlos Abrantes.
Mascarada sob a humilde inflexão de um ópusculo, com capa verdiroja enfeitada de ícones não ortodoxos e pouco esquálidos, o ínsigne escrito, editado pela “Texto Editora”, pugna por um frondoso optimismo, distinto e esclarecente, capaz de vencer os pessimismos mais afoitos e de convencer todo e qualquer português virginal nacionalista ou patriota devoto da indiscutível superioridade das mais valias da nação. Sendo um daqueles números quadrados que servem os propósitos de número redondo, entre as mil e uma razões enunciadas encontramos tudo o que seja iguaria regional ou pitéu gastronómico, tudo o que seja museu, livraria ou futebolista premiado, exemplos tonitruantes do bem comum exponenciado e do sucesso que de bom grado devemos reivindicar, a bem do nosso ego, como sendo nosso.
Eu, que continuo a achar que o Figo ou o Cristiano Ronaldo lá têm o ego deles e eu continuo com o meu, bem realista e bem lá no sítio dele, proponho – não por desfeita para com o Dr. José Carlos Abrantes – que se escreva uma bíblia similar, só que para pessimistas. Afinal também temos o direito de não ver alegria por todo o lado ou de desgostar dio Verão, de Lisboa e do Algarve.
Proponho, pois, a antítese, as “1001 razões (comentadas) para se não gostar assim tanto de Portugal”, a começar por uma razão imediata:

1.A existência de uma editora que publica mil e uma razões subjectivas para se gostar de Portugal: Mil e uma razões que em muito pouco constituem um apanágio da nação, mas que confluem, quando muito, a imperatividade da história e da circunstância, afirmando concretizações culturais que instituem mais uma diversidade rica que uma homogeneidade pobre es esforçada.
A razão prevalente é, no entanto, outra, O fraco sentido de percepção realista dos portugueses marinou-os durante séculos numa mitogénese messiânica, na demanda de um sebastião profético que liberte e redima. Estanque que está a acepção messiânica, os portugueses entregam-se à mitologia de um amor-próprio ofuscante: somos bons porque bebemos muito, porque vomitamos muito, porque temos no Guiness os maiores cornos de carneiro, o maior pão com chouriço ou a maior salada de fruta. E temos também nisto do amor-próprio o nosso maior problema: não na escassez, mas no excesso. Como dizia Vasco Pulido Valente há algum tempo atrás, tanto amor próprio e tão infecundo, não cria, só destroi.

8 Comments:

At 7:17 da tarde, Blogger cegueira said...

só por curiosidade, quanto custa esse livrinho?:)

 
At 9:41 da manhã, Blogger Marco Mendes Velho said...

Não faço ideia, mas a sério, não vale a pena comprar. Para além de não ser um livro mas uma lista de supermercado com ingredientes que vale a pena vangloriar, uma das raoes para se gostar de Portugal é a Sofia Aparício...

 
At 12:10 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Ex.ma Senhora D. Patrícia Adegas,

Informo-a de que poderá adquirir a magnífica preciosidade da Texto Editores, e da autoria do Dr. José Carlos Abrantes, pela módica quantia de €6.49 (IVA incluído).

Sinceramente, preferia até inventar que existe um concurso "O Pior Livro do Ano" e que a Texto se dignou a fazer o "Mil e Uma Razões para Gostar de Portugal" apenas para ganhar o primeiro prémio mas estaria a enganar toda a gente.
Sim, é verdade, o livro é uma MERDA! Não tenham vergonha de o dizer :P

Com os melhores cumprimentos,
C.

 
At 2:54 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Só me faço de anónima para não descobrirem que trabalho na Texto :P

Mas o Sr. Velho conhece-me (kind of)

C.

 
At 2:56 da tarde, Blogger cegueira said...

A Sofia Aparício? Uma razão para se gostar de Portugal?
Realmente estamos perdidos... Qualquer um de nós seria melhor razão do que essa menina....:)

 
At 4:01 da tarde, Blogger Braveman said...

Será que um livro escrito Por JCAbrantes é um Livro?
Existem mais do que 1001 razões para se gostar do nosso país mas será que este livro será um livro ou uma lista de compras?

 
At 5:12 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Pode não ser uma obra literária mas é um livro. Também não exagerem!

O livro é uma MERDA mas temos (a Texto) pior... como o Axel... que tem um livro com um CD-áudio grátis...

Ao menos o Dr. Abrantes não decidiu ofertar um CD com os seus dotes vocálicos :P O título do livro seria "Mil e uma Razões para Gostar de Portugal... e de mim não!"

C.

 
At 3:14 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Realmente as gravatas são horríveis... aliás, pavorosas!
Mas, o crochet voltou a estar na moda recentemente ou é falha minha? :P

Brincadeiras à parte, nem tudo o que a Texto publica é mau. Vamos ter (e já ando a dizer isto há imenso tempo, sorry lá Marco!) umas antologias jeitosas, com uns prefácios de categoria de Inês Pedrosa e António Mega Ferreira.

Aguardem! Depois digo mais.

C.

 

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